O projeto RECORDARE (POCTEP 2021-2027) realizou um estudo recente sobre o setor turístico em Espanha e Portugal que revela a profunda vulnerabilidade dos seus modelos turísticos predominantes perante as alterações climáticas e sublinha a necessidade crítica de implementar medidas de adaptação e sustentabilidade. Apesar da alta perceção do risco, o setor mostra um baixo nível de preparação em ações concretas, especialmente ao nível dos pequenos negócios.
O turismo é uma das principais fontes de receita tanto para Espanha como para Portugal, atraindo maioritariamente visitantes do centro e norte da Europa, que procuram, entre outros fatores, o “bom clima”. No entanto, este recurso crucial está a ser alterado pelo aquecimento global, com impactos diretos sobre o conforto do turista e as condições para as atividades, bem como efeitos contextuais sobre os ecossistemas.
Modelos Turísticos sob Ameaça
• Turismo de Sol e Praia: Este modelo, que atrai o maior número de turistas a nível mundial e em ambos os países ibéricos, enfrenta sérios riscos. O aumento das temperaturas no verão poderá gerar um “êxodo de turistas”, comprometendo gravemente a sua viabilidade a longo prazo. Prevê-se que a perda de conforto climático no sul e este da Península torne as temperaturas insuportáveis nos meses centrais do verão, desviando turistas para zonas mais frescas. Estima-se uma redução de até 20% do turismo proveniente do centro e norte da Europa para 2080, o que poderá significar uma diminuição entre 0,6 e 7,7 milhões de dormidas em Espanha
para esse mesmo ano, e uma queda do PIB turístico espanhol entre 0,67% e 0,86%
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• Turismo Urbano:
As cidades, com a sua oferta cultural e de eventos, são altamente vulneráveis aos impactos climáticos, especialmente as costeiras. Devem equilibrar as necessidades dos residentes com o afluxo turístico, gerindo de forma sustentável a sua capacidade de carga. Já estão a ser implementadas ações como a criação de refúgios climáticos em instalações existentes e a sinalização de rotas frescas, embora não sejam amplamente conhecidas pelos turistas.
• Turismo Rural e de Natureza (RECORDARE):
Embora menos dependente dos recursos climáticos diretos que o sol e praia ou a neve, esta modalidade, chave para o projeto RECORDARE, depende fundamentalmente da paisagem e dos ecossistemas naturais. Fenómenos como a perda de áreas com neve, a destruição de florestas por incêndios e a redução das fontes de água por seca já estão a alterar o atrativo destes territórios, afetando gravemente a competitividade e o emprego nessas zonas.
A Urgência da Adaptação
Os impactos das alterações climáticas são uma realidade que requer medidas urgentes de adaptação para mitigar os seus efeitos e aumentar a resiliência. Apesar de o setor turístico conhecer estes efeitos há anos, o “Relatório sobre a adaptação da economia às alterações climáticas” (KPMG, 2023) destacou o baixo nível de preparação do setor. O investimento em adaptação planeada não só previne danos, como também pode criar novas atividades económicas e oportunidades de emprego, promovendo uma economia mais resiliente, com benefícios económicos líquidos entre 2 e 10 euros por cada euro investido.
Tanto Espanha, com o seu Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência (PRTR) e a Estratégia de Sustentabilidade Turística em Destinos, como Portugal, com o seu Plano Turismo +Sustentável 2020-2023 e a Estratégia Turismo 2027, estabeleceram quadros para impulsionar a sustentabilidade. No entanto, a ação local é fundamental devido à urgência e à implicação direta dos atores sociais e empresariais.
Desafios na Implementação de Medidas de Adaptação
O estudo dos negócios turísticos no território do projeto RECORDARE (Fundão em Portugal e municípios de Salamanca em Espanha) através de um inquérito de autodiagnóstico, revela um panorama desafiante na implementação de medidas de adaptação.
• Sistemas de Controlo e Monitorização Energética: A adoção é baixa em ambas as regiões. O 43,4% em Salamanca e 50% em Fundão não implementaram estes sistemas. Isto sugere falta de recursos económicos, técnicos ou de conhecimento, e uma perceção limitada dos seus benefícios.
• Adaptação e Gestão dos Consumos de Água: 37,2% em Salamanca e 45,5% em Fundão não implementaram medidas significativas. Este é um recurso crítico num contexto de seca crescente.
• Iluminação Inteligente: 43,5% em Salamanca e 41% em Fundão não utilizam esta tecnologia, que contribui para a eficiência energética e o conforto.
• Climatização Eficiente: Cerca de 28,3% em Salamanca e 27% em Fundão não avançaram nesta área, apesar da sua importância para o conforto e economia de energia.
• Energia Renovável: 34,3% em Salamanca e 35,7% em Fundão ainda não incorporaram fontes renováveis, como solar ou eólica, na sua operação.
• Isolamentos de Alta Eficiência: 28,6% em Salamanca e 26,1% em Fundão ainda não adotaram estas técnicas, que são fundamentais para a eficiência energética.
• Carregadores para Veículos Elétricos: A infraestrutura para veículos elétricos está pouco desenvolvida: 71,7% em Salamanca e 77,3% em Fundão não dispõem destes carregadores, o que pode limitar a mobilidade sustentável.
Estes dados evidenciam barreiras comuns como os altos custos iniciais, a falta de incentivos económicos ou regulamentares e o desconhecimento dos benefícios a longo prazo.
Recomendações para o Futuro
Para avançar na adaptação, é fundamental desenvolver campanhas de sensibilização que realcem os benefícios económicos e ambientais. São necessários incentivos económicos (subsídios, créditos), apoio técnico, formação e o compartilhamento de casos de sucesso que incentivem outros negócios a investir nestas tecnologias.
Em suma, a adaptação às alterações climáticas no turismo não pode mais ser um tema secundário. É uma prioridade incontornável na agenda política e económica de Espanha e Portugal para garantir um futuro sustentável e competitivo para o setor.